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Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra - Grupo de História
Seminário Científico do Ramo de Formação Educacional, 2003-2004.
Docente: Alfredo Pinheiro Marques
OS "DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES"
E AS SUAS COMEMORAÇÕES
(SÉCULOS XV-XX): UMA SECULAR FRAUDE HISTORIOGRÁFICA E POLÍTICA, E OS SEUS REFLEXOS NA IDENTIDADE NACIONAL PORTUGUESA
Alfredo Pinheiro Marques
1. — Portugal nos inícios do século XV: Dom João I, o Rei de "Boa Memória", e a Casa de Avis no lançamento da Expansão Ultramarina Portuguesa. As tensões sociais no Portugal dos fins da Idade Média.
2. — A formação cultural e política do Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra, e a sua acção no poder político e na modernização de Portugal. Até Veneza, etc., "partiu um homem medieval e voltou um homem moderno". As suas viagens das "Sete Partidas do Mundo", e a sua Regência de Portugal (1439-1448).
3. — O Infante Dom Pedro e a Casa de Coimbra no impulso decisivo dos comércios e Descobrimentos Geográficos, e na História Local e Regional. "Désir" e continuidade da Casa de Coimbra e da Beira Litoral na História de Portugal, desde o Regente Dom Pedro até ao seu neto Rei Dom João II. As proveniências regionais dos homens e dos navios que efectivamente
fizeram os "Descobrimentos": os navegadores e pescadores dos litorais do Ducado de Coimbra, do Noroeste burguês (Porto, etc.) e da Ordem de Santiago.
4. — A conceptualização geográfica, cartográfica e geopolítica, dos "Descobrimentos Portugueses": a origem do "Plano da Índia" no célebre mapa veneziano de Fra Mauro (1448-1459), obtido por Dom Pedro.
5. — A batalha de Alfarrobeira (1449) e a primeira fase da maldição da memória do Infante Dom Pedro e da criação do mito do Infante Dom Henrique. A insignificância do Infante Dom Henrique no seu próprio tempo, e a posterior orquestração das lendas e mentiras políticas sobre a origem dos "Descobrimentos". O criado henriquino Gomes Eanes de Zurara, cronista do Infante Dom Henrique e plagiador do Infante Dom Pedro recentemente assassinado… Infâmia e "Fartar vilanagem". Depois da batalha, escreve-se a História. Primeira lição: as "Comemorações" começam logo… e são legitimações dos esbulhos e fraudes políticas.
6. — O relançamento dos "Descobrimentos" pela iniciativa de Fernão Gomes (1469-1474), Fernão Teles de Meneses, Diogo de Azambuja (todos de Montemor-o-Velho…) e outros sobreviventes de Alfarrobeira, depois da apatia sob o Infante Dom Henrique e Ordem de Cristo (1449-1460). "Por tua Lei e por tua Grei": continuidade da Casa de Coimbra na modernização de Portugal e nos Descobrimentos Geográficos; início da acção do "Príncipe Perfeito" Dom João II, herdeiro político e vingador do seu avô Infante Dom Pedro, e administrador das Ordens de Santiago e Avis (1466-1474-1495). Ainda e sempre o mapa de Fra Mauro.
7. — As realidades e as glórias dos "Descobrimentos Portugueses". Os inícios da "Ciência Náutica", da "Navegação Astronómica", do "Plano da Índia", da "Política de Sigilo", da "Missionação" — mitos sobre o Infante Dom Henrique e verdades sobre o Rei Dom João II, herdeiro e continuador do seu avô Infante Dom Pedro (até o cosmógrafo-mor de Dom João
II, Mestre Rodrigo, era um sobrevivente de Alfarrobeira…!).
8. — A vida e a obra do "Príncipe Perfeito" Dom João II, Senhor da Casa de Coimbra e Rei de Portugal, "próprio e verdadeiro coração da república", "dos seus povos mui querido, e dos grandes mui temido". O avanço decisivo dos Descobrimentos Geográficos e a formulação do "Plano da Índia", levando à rivalidade luso-castelhana, à primeira viagem de Cristóvão Colombo
(1492), e ao Tratado de Tordesilhas (1494).
9. — O "golpe de Estado" palaciano e a morte do "Príncipe Perfeito" Dom João II (1495) abrindo caminho para a traição da sua política e o esbulho do seu "Plano da Índia". A sucessão da Coroa de Portugal e o afastamento do jovem Duque de Coimbra Dom Jorge, Mestre de Santiago e Avis, filho de Dom João II e bisneto do Infante Dom Pedro. A chegada ao Poder do venturoso Rei Dom Manuel, "neto" (por via adoptiva) do Infante Dom Henrique, e a consequente legitimação da Dinastia Manuelina através da figura mitificada do "avô". A Dinastia Manuelina (Casa de Viseu) e a decadência de Portugal até ao cadaveroso Cardeal Inquisidor-Mor e Rei Dom Henrique, "bisneto" (por via adoptiva) do Infante Dom Henrique.
10. — A traição e o esbulho do "Plano da Índia" de Dom João II: a viagem de Paulo (e Vasco) da Gama, em 1497 (da Ordem de Santiago), e a viagem de Pedr'álvares Cabral, em 1500 (da Ordem de Cristo). Os alegados "mistérios de Vasco da Gama": seu aliciamento a posteriori pelo Rei Dom Manuel Duque de Viseu e administrador da Ordem de Cristo; sua incompatibilização com a Ordem de Santiago. O óbvio, mas silenciado, significado do "trespassamento" de Dom Vasco da Gama para a Ordem de Cristo (1499-1507).
11. — O dramático e paradoxal epílogo (1499-1500) da corrida dos "Descobrimentos" e do "Plano da Índia": o sucesso de Vasco da Gama e a desgraça de Cristóvão Colombo…; ou de como os Portugueses acabaram por ganhar, teimosamente, no verdadeiro final (1499), mas… logo no momento seguinte (1500), sofreram a sua paradoxal derrota na hora do triunfo, quando
foram traídos pelo seu próprio comando…
12. — A tomada do controlo das navegações portuguesas pelos adversários castelhanos (1500-1503), com gente vinda de Castela como Américo Vespúcio, Fernão de Loronha, Sancho de Tovar. Dinastia Manuelina e reinstalação em Portugal do poder da Casa de Bragança e da grande nobreza senhorial. O esbulho da Índia e da memória histórica da criação do "Plano da
Índia". A destruição da documentação do Rei Dom João II.
13. — As verdadeiras razões dos mitos do Infante Dom Henrique. Os cronistas da Dinastia Manuelina e a segunda e mais decisiva fase da maldição da memória do Infante Dom Pedro e da criação do mito do Infante Dom Henrique. A maldição contra o seco Rui de Pina de Montemor-o-Velho, historiador de Alfarrobeira e do "Príncipe Perfeito" Dom João II, e o triunfo da fraude historiográfica devida aos palavrosos cronistas do tempo do "Pio" Dom João III e da Inquisição: João de Barros, de Viseu, e Fernão Lopes de Castanheda, bedel arquivista de Santa Cruz e da Universidade de Lisboa instalada em 1537 em Coimbra (para acabar de vez com o Ducado de Coimbra), deixam para o futuro a História e os documentos (pois "a História faz-se com documentos"…). Damião de Góis, intelectual pós-modernamente progressista, enquanto inventa de raiz mitos tão tardios e falsos (mas votados a tão grande futuro) como o da "Escola de Sagres"… fica com o emprego dos Pinas perseguidos pela Inquisição… e assim colabora (talvez "criticamente"…?) na criação do "ovo da serpente" que mais tarde irá devorar tudo e todos (incluindo ele próprio…). A continuidade dessa e outras fraudes historiográficas nos séculos XVII-XVIII (com cronistas frades de Alcobaça, etc…), numa sociedade dominada pela Inquisição. Num país assim, a Casa de Bragança finalmente chega ao Poder (para erguer Mafra, entregar aos Ingleses o vinho e o ouro do Brasil, fugir diante de invasões estrangeiras, etc.).
14. — As grandes Comemorações e as rivalidades coloniais nos séculos XIX-XX, na segunda fase da Expansão Ultramarina Europeia, pós-Revolução Industrial. O colonialismo britânico da época victoriana, a humilhante dependência portuguesa, e a total subserviência da Casa de Bragança perante a Inglaterra.
15. — Os exemplos das Historiografias e Comemorações Espanhola, Italiana, etc. (de Colombo e outros navegadores), e a sua imitação pelas Comemorações Portuguesas (1892-1894-1898-1924). Unanimidade colonialista e historiografia ultramarina, do tempo da longa Monarquia da Casa de Bragança ao tempo da breve e falhada 1ª República: manutenção e reforço dos mitos do Infante Dom Henrique herdados do passado. "Rule Britannia"… o bibliotecário do British Museum, R. Henry Major, inventa, no século XIX, o tardio e falso título "Henry the Navigator" para o príncipe meio-inglês que "comandou os Portugueses"…
16. — Historiografia e Comemorações dos "Descobrimentos" na Época Contemporânea: seus reflexos na identidade nacional portuguesa. A abusiva e errónea identificação entre "Descobrimentos Geográficos" (século XV) e "Império Colonial" (séculos XVI-XX). Equívocos semeados. Reforço de mitos e mentiras como a "Escola de Sagres", etc.. O exagero da ideia da "Política de Sigilo de Dom João II", iludindo até alguns historiadores isentos (J. Cortesão, etc.), e servindo voluntária ou involuntariamente como disfarce da evidência da destruição da sua documentação coeva, e do silenciamento da sua memória histórica.
17. — Historiografia e Comemorações dos "Descobrimentos" no tempo do regime do Doutor Salazar: a Exposição do Mundo Português de 1940, as Comemorações Henriquinas de 1960, etc. (e a ausência de significativas comemorações de Dom João II em 1955…). A década de 60, os "ventos da História", e as guerras na Guiné, Angola e Moçambique. Os Descobrimentos" e a legitimação historiográfica do regime.
18. — O "Futuro de uma Maldição", na História e na Historiografia de Portugal. A continuidade da fraude historiográfica devida aos oportunismos epocais e às inércias seculares dos Poderes sucessivos, incapazes de construir o Futuro. Da Dinastia de Bragança ao regime do Doutor Salazar, e às actuais "Comemorações dos Descobrimentos" num país infelizmente de mendigos. Festas, exposições, dissipações da "res publica", silenciamentos censórios da verdadeira História, com casta cumplicidade universitária. Agora (1994-2003), comemorar os "Descobrimentos" censurando o autor do Guia de História dos Descobrimentos…
19. — Conclusão: na paz do silêncio da História Portuguesa (guerra, silenciosa e hipócrita, entre o que significa a Casa de Bragança e o que significa a Casa de Coimbra) sente-se a voz onde ecoa a secular Maldição da Memória, da História, e do "Infante de Alfarrobeira" primeiro responsável pelo malogrado processo de modernização de Portugal — o processo que, na
verdade, foi pioneiro na chamada "Época dos Descobrimentos" (no século XV), mas que, depois da sua morte (e sobretudo depois da morte do seu neto, herdeiro político, e vingador, o "Príncipe Perfeito" Dom João II), veio a ser tragicamente destruído e substituído pelo conservadorismo feudalizante que, de mãos dadas com o secular colonialismo ultramarino, o secular abandono da metrópole portuguesa, e a secular macrocefalia lisboeta (três faces da mesma medalha), levou Portugal à irreversível decadência e ao subdesenvolvimento (nos séculos XVI-XX).
20. — Lição final: não "trocar boa capa por mau capelo". A figura do Infante Dom Pedro como fantasma que paira sobre a História de Portugal, esperando aquilo que continua a faltar: Verdade e Justiça.
21. — Começar de novo. Sempre.
BIBLIOGRAFIA GERAL
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MARQUES, Alfredo Pinheiro, Guia de História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa…, Lisboa, 1988; idem, BD - International Bibliography of the Discoveries and Overseas Encounters, Coimbra, 1992-… (www.uc.pt/bd.apm); idem, Silenciamento, Censura, Plágio e
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SIMÕES, Alberto Veiga, O Infante D. Henrique. O seu Tempo e a sua Acção, Lisboa, 1937.
Bibliografia específica: secções da Bibliografia Internacional dos Descobrimentos e Encontros Ultramarinos — International Bibliography of the Discoveries and Overseas Encounters, ed. Alfredo Pinheiro Marques, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1992-… (com prefácio de Charles Ralph Boxer) –
www.uc.pt/bd.apm
Os “Descobrimentos Portugueses”
e as suas Comemorações…
Alfredo Pinheiro Marques
Director do Centro de Estudos do Mar - CEMAR;
autor de A Maldição da Memória… (1995).
OS “DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES” E AS
SUAS COMEMORAÇÕES (SÉCULOS XV-XX):
UMA SECULAR FRAUDE HISTORIOGRÁFICA E POLÍTICA, E OS
SEUS REFLEXOS NA IDENTIDADE NACIONAL PORTUGUESA
*Esta é a síntese final das teses trazidas desde 1994-1995 à historiografia e à História de Portugal pelos livros do autor destas linhas intitulados Silenciamento, Censura, Plágio e Roubo, na Historiografia e nas Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (Coimbra-Figueira da Foz, 1994, dep. legal nr. 81342/94) e A Maldição da Memória do Infante Dom Pedro e as Origens dos Descobrimentos Portugueses (Figueira da Foz, 1995, dep. legal nr. 84110/94), depois seguidos por Vida e Obra do
Infante Dom Pedro (Figueira da Foz-Mira-Lisboa, 1996, dep. legal 96834/96), e Vida e Obra do 'Príncipe Perfeito' Dom João II (Figueira da Foz-Mira, 1997, dep. legal 96835/96), tendo, por fim, ficado dita a última palavra, e feito o ponto da questão, no livro Para o Silêncio da História: Carta ao Primeiro-Ministro do Meu País, sobre a Censura e a Mentira na História de Portugal (Coimbra-Figueira da Foz, 1999, dep. legal nr. 130940/99). Uma primeira versão desta síntese foi apresentada em Maio de 2002 como comunicação no Congresso Internacional Des-Colonização e Polémicas (Lisboa, Culturgeste, 22-24 Maio 2002), e por isso foi depois enviada para ficar publicada nas respectivas Actas (se elas viessem a existir, do que parecia não haver certeza). Esta síntese retomou na sua primeira parte elementos dos programas dos seminários que o autor orientou entre 2001 e 2004 na Faculdade da Letras da Universidade de Coimbra (respectivamente “As Origens dos Descobrimentos Portugueses: a Maldição da Memória do Infante Dom Pedro e a Criação do Mito do Infante Dom Henrique”, e “A Identidade Nacional Portuguesa e os ‘Descobrimentos’: Historiografia, Comemorações e Política”), e retomou na sua segunda parte o texto do artigo "A Inadiável e Inevitável Cisão: Finalmente Procurar a Verdade na História de Portugal e na História dos Descobrimentos Portugueses", artigo que havia sido
previamente solicitado e que por isso havia sido atempadamente enviado, em Dezembro de 1999, para a revista Biblos (a revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra-FLUC), vol. I - 2ª série (“Convergência e Cisão”). O seminário de 2003-2004, com este mesmo título de “Os ‘Descobrimentos
Portugueses’ e as suas Comemorações (Séculos XV-XX): Uma Secular Fraude…”) foi a última docência de História que ao autor foi permitida na sua própria Faculdade, a FLUC (seguindo-se, nesse mesmo ano de 2004, a definitiva censura com a tentativa da sua expulsão da carreira universitária e da função pública em Portugal, sem direito a reforma ou assistência social, o que levou aos dois processos judiciais 669/04.7BECBR e 529/07.0BECBR que desde então se encontram em curso nos tribunais portugueses).
Alfredo Pinheiro Marques
Portugal nos fins da Idade Média, por compreensíveis razões de determinismo geográfico e sociológico, teve a centralidade que lhe permitiu ser pioneiro no processo do desenvolvimento comercial-marítimo, da expansão ultramarina europeia, e dos descobrimentos geográficos.
Uma “nova geração de gentes” (segundo o cronista Fernão Lopes) — os burgueses, os concelhos municipais, os mercadores e pescadores — surgiu na História portuguesa e europeia com mais evidência, e contribuiu para a elevação ao Poder da dinastia da Casa de Avis, inaugurada por Dom João I, o Rei de "Boa Memória". Mas, como seria sempre compreensível, logo também aconteceu que essa “formação democrática” (segundo Jaime Cortesão), esse pioneirismo e modernidade, essa centralidade e vanguardismo em termos europeus, foram progressivamente confrontados, asfixiados, e esmagados (ao longo do século XV, e depois sobretudo no século XVI), pelo neo-senhorialismo ferozmente reconstituído, e mesmo radicalizado, da grande nobreza feudalizante. No governo do país, ao longo do século XV, veio a ser a Casa de Coimbra — a legítima herdeira e continuadora da Casa de Avis, desde o “Rei de Boa Memória” até ao seu filho Pedro (o filho mais independente,
viajado e modernizador), e até ao seu bisneto “Príncipe Perfeito” — que veio a desempenhar a difícil tarefa de controlar essas tensões sociais e essa guerra sempre iminente. Guerra civil, social. E guerra internacional, peninsular, pois a nobreza senhorial e feudal de Portugal esteve sempre aliada e permeável àquilo que o Infante Dom Pedro veio a chamar as “práticas de Castela”: o Feudalismo, a
invasão estrangeira, a agressão e a guerra destruidora da independência nacional.
Nos fins da Idade Média — do Rei Dom João I ao seu filho Regente Dom Pedro, e ao seu bisneto Rei Dom João II — a guerra civil total foi em Portugal evitada, e a independência nacional defendida. Pela Casa de Coimbra. A formação cultural e política do Infante Dom Pedro, enriquecida não só por uma educação cavaleiresca mas também pelas leituras do Legado Clássico da Antiguidade Greco-Latina, aliada à sua experiência e às suas viagens pela Europa,
deu ao Duque de Coimbra e futuro Regente o seu pioneirismo, modernidade, e visão estratégica nacional. O incentivo e apoio das navegações e dos descobrimentos geográficos veio a ser uma das dimensões dessa visão estratégica modernizadora Ainda que mais tarde, após o seu assassínio, tal evidência tenha vindo a ser silenciada e escondida (e tal silenciamento tenha continuado em
Portugal durante séculos, por óbvias razões políticas), a verdade é que a acção do Infante Dom Pedro e da Casa de Coimbra no lançamento dos Descobrimentos Geográficos, inter-relacionada com a sua acção de fomento e desenvolvimento social na História Local e Regional, veio a ser decisiva para a realização do grande
projecto nacional dinamizado ao longo do século XV.
O “Désir” da Casa de Coimbra foi a vontade política que apoiou aqueles que efectivamente fizeram as navegações: os agentes do dinamismo económico, do mercado, da iniciativa privada e da liberdade nos fins da Idade Média, os mercadores, pescadores, burgueses e navegantes. O significado da Casa de
Coimbra e da Beira Litoral na História de Portugal, desde o Infante Dom Pedro até ao seu neto Rei Dom João II, ficou bem patente, e definitivamente provado, quando em 1995 em A Maldição da Memória…
"Descobrimentos Portugueses": eles foram os do Norte burguês (de Caminha ao Porto), do Centro da Casa de Coimbra (de Aveiro a Buarcos), e do Sul da Ordem de Santiago da Espada (do Tejo ao Algarve). Eles foram os homens e os navios dos litorais de Portugal. Obviamente.
E para além da dimensão prática, empírica e técnica, económica e social das navegações e do material humano que constituiu as respectivas tripulações, também no que diz respeito à dimensão teórica e científica, de conceptualização geográfica, cartográfica e geopolítica dos "Descobrimentos Portugueses", mostrámos que a sua origem — a origem do "Plano da Índia" — esteve no célebre
mapa veneziano de Fra Mauro (1448-1459), obtido para Portugal pelo Infante Dom Pedro.
Os "Descobrimentos" foram feitos pelo povo português, com o incentivo e a vontade política da Coroa de Portugal e da Casa de Coimbra — de resto, ambas corporizadas na mesma pessoa do Regente Infante Dom Pedro (1439-1448). E, depois de Alfarrobeira, foram relançados, uma vez mais, pela iniciativa privada do
mercador Fernão Gomes (1469-1474), após a apatia sob o Infante Dom Henrique (1449-1460). A continuidade da Casa de Coimbra na modernização de Portugal e na direcção dos Descobrimentos Geográficos veio por fim a ser assegurada pela acção do "Príncipe Perfeito" Rei Dom João II, herdeiro político e vingador do seu
avô Infante Dom Pedro (1474-1495). Com ele veio a dar-se o avanço decisivo dos Descobrimentos Geográficos e do "Plano da Índia", levando à rivalidade luso-castelhana, às viagens de Cristóvão Colombo, e ao Tratado de Tordesilhas. E assim
Portugal, pela primeira e última vez (pela única vez…) ao longo de toda a sua longa História, foi decisivo e influente na História Universal, dividiu o Planeta a meio, e recusou ingerências estrangeiras, incluindo as do próprio Papa.
Após a encruzilhada do destino que foi a batalha de Alfarrobeira — a mais decisiva data da História de Portugal (ocorrida a 20 de Maio de 1449) — iniciou-se apenas uma primeira fase da maldição da memória do Infante Dom Pedro e da criação do mito do Infante Dom Henrique. Outras fases, e bem mais significativas, se seguiriam no futuro. À insignificância e cinzentismo do Infante Dom Henrique no seu próprio tempo — insignificância óbvia, à luz da documentação anterior a 1449 — seguiu-se a posterior orquestração das lendas e das mentiras sobre a origem dos "Descobrimentos", devidas a razões políticas, para fazer desaparecer a memória do morto de Alfarrobeira. Depois da batalha, escreveu-se a História, como sempre acontece. O criado henriquino Gomes Eanes de Zurara, cronista do Infante Dom Henrique ao mesmo tempo que plagiador do Infante Dom Pedro (como mostrou em 1949 o Prof. Joaquim de Carvalho), foi o escriba de serviço, escolhido então para ficar com o emprego do grande historiador Fernão Lopes (o historiador do
tempo da Regência do Infante Dom Pedro), e para desempenhar o primeiro papel nessas lendas e mentiras. Mas outros viriam depois.
As verdadeiras realidades e glórias dos "Descobrimentos Portugueses" — os inícios da "Ciência Náutica" (c.1485), do "Plano da Índia" (c.1476-1482), da "Política de Sigilo" (1479), da "Missionação" (1482), etc. — correspondem na verdade à política do "Príncipe Perfeito" Dom João II, o neto, herdeiro político, e
vingador, do seu avô Infante Dom Pedro — e não a quaisquer alegadas acções do cinzento Infante Dom Henrique.
Mas logo depois, com o "golpe de Estado" palaciano e a morte de Dom João II em 1495 — certamente envenenado… (como logo mostraram os cronistas da época, e desde então têm tentado afanosamente esconder ou negar os historiadores modernos…!) —, abriu-se o caminho para a traição da sua política e para o esbulho do seu "Plano da Índia". Afastado do Poder o jovem Duque de Coimbra Dom Jorge, filho do "Príncipe Perfeito" e bisneto do
Regente Dom Pedro, a sucessão da Coroa de Portugal coube à Dinastia Manuelina: a dinastia iniciada pela insignificância e cinzentismo do Duque de Beja-Viseu Dom Manuel, o “neto” (por via adoptiva) do Infante Dom Henrique. E com a Dinastia Manuelina veio a reinstalação do poder da Casa de Bragança, e da grande
nobreza senhorial e feudal, na sociedade portuguesa. Assim se deu o esbulho da Índia — através da apropriação dos resultados da viagem de 1497 de Paulo da Gama (terminada em 1499 pelo seu irmão mais novo e sobrevivente), e sobretudo através da encenação em 1500 da viagem de Pedrálvares Cabral) —, e assim se deu o esbulho da memória histórica da criação do "Plano da Índia". Este último foiefectuado através da destruição da documentação do Rei Dom João II. Destruíram-se as provas, e depois fez-se a História.
As verdadeiras e mais decisivas razões dos mitos do Infante Dom Henrique vieram a ser, com efeito, razões do século XVI: com os historiadores da Dinastia Manuelina veio a dar-se a segunda e mais decisiva fase da maldição da memória do Infante Dom Pedro e da imposição estatal do mito do Infante Dom Henrique. Foi uma normal e compreensível legitimação (pessoal, dinástica e familiar) do Poder do Presente, através da falsificação da História. É que — sempre (em todas as épocas) — para se mudar a História à medida das necessidades do Presente, obtido o Poder, é preciso censurar e silenciar os historiadores. Por isso foi levada a cabo a maldição e perseguição de Rui de Pina e dos seus continuadores (maldição
que iria continuar durante séculos, incluindo infundadas acusações de plágio…).
Assim foi conseguido o triunfo da manipulação historiográfica operada pelos cronistas do tempo do Pio Rei Dom João III e da Inquisição. Algum, ou alguns, desses cronistas eram ilustrados e cultos? Deveriam ter pensado que quem primeiro ajuda o crescimento da serpente, e ignora a perseguição e censura dos
seus contemporâneos (e com tal crescimento co-existe e colabora, e com bizantina “Cultura” e especioso “progressismo” disfarça e justifica, e até acaba por ficar com o emprego dos perseguidos…), vai nas décadas seguintes ter o mesmo destino. Vai ser um dia a próxima vítima.
Foi a partir deste tempo — e só a partir deste tempo…! — que os maiores mitos e mentiras acerca do lendário Infante Dom Henrique — mitos e mentiras como os da sua alegada “Escola de Sagres”, do seu alegado “Plano da Índia”, etc. — foram inventados, a posteriori (mais de cem anos depois…!), e inventados a partir do nada (pois nem sequer vinham nos textos do hagiógrafo coevo Zurara…).
Inventados por cronistas dos meados do século XVI, do tempo do Pio Rei Dom João III e da Inquisição. Cronistas como Damião de Góis (o cortesão ilustrado e culto que ficou com o emprego do filho de Rui de Pina perseguido pela Inquisição), cronistas como João de Barros (o tio do cónego Barreiros de Viseu), cronistas como Fernão Lopes de Castanheda (o bedel e arquivista da Universidade
de Coimbra e do Convento de Santa Cruz).
A continuidade dessa fraude historiográfica e política só teria depois que ser mantida nos séculos XVII, XVIII e seguintes. E foi-o… num país de curiosas continuidades, que falam por si mesmas (e a menor delas não será certamente a continuidade dos cónegos Barreiros em Viseu… até se chegar ao célebre colégio viseense que dirigiram na Época Contemporânea, desde 1908, e do qual veio a ser prefeito e vigilante o jovem António de Oliveira Salazar…). Depois disso, o esquecimento da História, maldição humana de sempre, caminha, no Futuro, pelo seu próprio pé. Basta aos censores de todas as épocas tentar destruir os documentos, e escrever outros documentos (e esperar que, depois, um dia, venha
quem simplesmente diga que “a História faz-se com documentos”…).
A Dinastia da Casa de Viseu (a Dinastia Manuelina, dos herdeiros do mítico Infante Dom Henrique) e a sociedade nobiliárquica portuguesa protegida pela Inquisição ao longo do século XVI comeram a galinha-dos-ovos-de-ouro da Índia e do Oriente, e engordaram a macrocefalia da capital, levando o país ao
subdesenvolvimento e à miséria, perante o luxo das elites alimentadas colonialmente. Assim Portugal — não sem antes sofrer os trágicos resultados de ainda uma vez mais tentar ressuscitar a loucura geo-estratégica das aventuras cavaleirosas e feudais em Marrocos (a loucura que o homem assassinado em Alfarrobeira há muito havia denunciado…) — acabou por se transformar numa
simples comunidade autónoma da União Ibérica, preferindo as suas elites acolher-se à protecção da Espanha, potência marítima e colonial então dominante. Mas isso só aconteceu quando, diminuídas as Índias e os Orientes, e finalmente ultrapassada
a perplexidade da respectiva diminuição e incapacidade de “colonização” (“mágoa do Império”), se começou enfim a cultivar a realidade da colonização popular no Brasil e na América do Sul. À maneira espanhola, filipina. De mãos dadas com evocações das prioridades nos “Descobrimentos”, para Madrid ver.
Por fim, nos meados do século XVII, mercê do descontentamento dos levantamentos populares e do oportuno golpe de estado palaciano que os atalhou, a Dinastia da Casa de Bragança acabou por chegar ao Poder em Lisboa, e nos séculos seguintes o manteve, para erguer monstros sumptuários como os de Vila
Viçosa e de Mafra, monumentos faraónicos à dissipação e à improdutividade, luxos de um país de mendigos, cujo deficit era pago em ouro, cortiça e vinho.
A Dinastia da Casa de Bragança (dos herdeiros do assassínio do Infante Dom Pedro) e a sociedade nobiliárquica portuguesa protegida pela Inquisição ao longo dos séculos XVII-XVIII comeram a galinha-dos-ovos-de-ouro do Brasil, e engordaram a macrocefalia da capital, levando o país ao subdesenvolvimento e à miséria, perante o luxo das elites alimentadas colonialmente. Assim Portugal
acabou por se transformar num simples protectorado inglês, preferindo as suas elites suspirar pela imitação e pela protecção da Inglaterra, potência marítima e colonial então dominante. Por fim, nos primeiros anos do século XIX, a Dinastia da Casa de Bragança acabou por chegar ao ponto de fugir do seu próprio país (levando consigo milhares, das suas elites cortesãs!), e assim abandonou esse país a uma mal-amanhada invasão estrangeira (e subsequentes guerras, de terra queimada, organizadas pelos aliados protectores). Depois, definitivamente perdida a colónia do Brasil (a favor dos interesses dos aliados protectores…), e finalmente ultrapassada a perplexidade da respectiva “descolonização” (“mágoa do Império”), começou-se enfim a cultivar a miragem do colonialismo oficial na África. À maneira inglesa, vitoriana. De mãos dadas com Comemorações dos “Descobrimentos”, “para Inglês ver”.
Na Época Contemporânea, as grandes Comemorações históricas dos séculos XIX e XX, no âmbito da segunda fase da Expansão Ultramarina Europeia (pós-Revolução Industrial), viriam a ter lugar no pano de fundo do colonialismo britânico da época vitoriana, da rivalidade das nações da Europa, e da confrangedora dependência portuguesa perante a Inglaterra (humilhantemente coroada pelo Ultimato inglês, em que os protegidos foram esbulhados pelos
protectores). A exemplo das Historiografias e Comemorações Espanhola, Italiana, etc. (de Colombo e outros navegadores), foram lançadas as Comemorações Portuguesas (1892-1894-1898-1924), e pode dizer-se que a colonização e a historiografia ultramarina portuguesas, no tempo dos fins da Monarquia da Casa de
Bragança, e no tempo da breve I República, foram marcadas pela unanimidade colonialista e pela manutenção e reforço dos mitos do Infante Dom Henrique tal como haviam sido herdados dos séculos passados. Foi um compreensível processo de historicismo, romantismo, darwinismo social, “culto dos Heróis”, e racismo
colonialista. “Para Inglês ver” (como se costuma dizer na linguagem coloquial portuguesa). E o Inglês viu! Foi a partir deste tempo — e só a partir deste tempo…! — que o conservador da Map Library do British Museum, em meados do século XIX chamado Richard Henry Major, deu uma ajuda aos colonialistas e comemoradores históricos portugueses: inventou o célebre cognome “Prince Henry, the Navigator” (e inventou-o a partir do nada… pois tal cognome nem
sequer vinha nos textos do hagiógrafo coevo Zurara, nem em qualquer outro cronista português dos séculos passados…). Mas a partir daí a saborosa expressão passou a ser repetida e trombeteada, e considerada como “tradicional”… E não seria essa a última vez que foi dada uma ajuda desse tipo e dessa origem, para o comemorativismo português… (no século XX, em 1997, aquando da 17th International Conference on the History of Cartography em Lisboa, a ajuda ainda viria a ser mais curiosa e edificante).
A Historiografia e as Comemorações dos "Descobrimentos" na Época Contemporânea tiveram (como sempre seria normal que tivessem…) profundos reflexos na Identidade Nacional Portuguesa. A Historiografia dos fins do século XIX e do século XX — com os seus trabalhos apesar de tudo precursores, com os seus inevitáveis aproveitamentos políticos, com os seus equívocos semeados e
mantidos — foi responsável pelo reforço de mitos e mentiras como a "Escola de Sagres", etc.. Longo mito, longa mentira… desde Damião de Góis até Richard Henry Major… e até aos abundantes cultivadores da mística henriquina que ainda estavam para vir depois (quer os colonialistas e comemoradores históricos da
Monarquia decadente, quer os colonialistas e comemoradores históricos da República ascendente, quer os auto-proclamados positivistas e isentos, eclécticos, institucionais, académicos, da historiografia oficial da Universidade salazarista).
Com o seu romantismo e as suas intuições psicologistas, imaginativas e bem intencionadas — muitas vezes fecundas, mas algumas vezes totalmente erradas! — , Oliveira Martins havia dado forma histórica a tudo isso. E Fernando Pessoa na “Mensagem” viria a dar forma poética a Oliveira Martins. As palavras eram:
dolorosa decadência, e ansiado ressurgimento. Entre um e outro desses autores marcantes, nestes anos dos fins do século XIX e primeiras décadas do século XX, toda a gente pensou e sentiu o presente e o futuro do seu país (uns com elevação e trágica gravidade, outros com oportunismo e mesquinha ambição…). E o
colonialismo e as Comemorações continuaram. Por isso Eça de Queiroz veio a zurzir, com a merecida ironia, o atroz ridículo a que tudo isso veio a tresandar: historicismo comemorativista, e passadismo balofo, cultivados pelas elites de um país que não conseguia descobrir o seu rumo, europeu, para conquistar o Futuro.
Antero de Quental, o profeta que liderou essa geração coimbrã de 70 (geração que depois havia de se transformar numa geração de “vencidos da Vida”), havia já diagnosticado, com gravidade trágica, as verdadeiras razões do problema. Havia diagnosticado o verdadeiro problema, ao apontar as “Causas da Decadência dos
Povos Peninsulares”.
Depois, continuaram a diagnosticá-lo — continuaram a compreendê-lo e a explicá-lo — os historiadores e homens de Cultura como António Sérgio (com a sua capacidade sociológica de ver e apontar o essencial), Duarte Leite (com o seu fino criticismo), Veiga Simões (com a sua lúcida paixão do Infante Dom Pedro),
Jaime Cortesão (em alguma medida, no seu eclectismo entre brilhantes intuições imaginativas e manutenções românticas de alguns tradicionalismos e asneiras), Vitorino Magalhães Godinho (no seu profissionalismo historiográfico), Luís de Albuquerque (no seu rigor científico e calor da vida), Charles Ralph Boxer (na sua
isenção desapaixonada e carinhosa, de verdadeiro amor pelas coisas portuguesas).
Mas continuaram a escamoteá-lo — continuaram a comemorá-lo e a silenciá-lo… — os intelectuais comemoradores oficiais da Monarquia, da República e do Salazarismo, como Pinheiro Chagas, João Ameal, Fortunato de Almeida, Idalino da Costa Brochado, o regressado Armando Cortesão, Damião Peres, António Brásio, José Hermano Saraiva, A.J. Costa Pimpão, A.J. Dias Dinis, etc., etc.
(quantos mais, até ao fim do regime salazarista, e mesmo depois dele?). Outros ainda, como Joaquim Bensaúde, Luciano Pereira da Silva, Gago Coutinho, Fontoura da Costa, Teixeira da Mota, etc. (e podendo incluir-se também em alguma medida nessa lista o grande Jaime Cortesão, no brilho interpretativo, e até mesmo o seu irmão Armando Cortesão, no que às questões técnicas de Cartografia
diz respeito), trouxeram contributos específicos enriquecedores, úteis e honestos, mesmo quando movimentando-se no âmbito das ideias tradicionais reinantes no seu tempo (e, nalguns casos, como por exemplo Bensaúde e Jaime Cortesão, por isso mesmo amplificando extraordinariamente essas ideias tradicionais, e dando-lhes uma credibilidade que não tinham).
Uma das fraudes e manipulações que foi conseguida com mais generalizado êxito, autêntica sementeira de ignorância e erro — ao ponto de, totalmente equivocados, nela terem colaborado com entusiasmo até mesmo historiadores isentos e de boa-fé (como certamente seria Jaime Cortesão…) —, foi a que levou à
popularização da ideia exagerada da "Política de Sigilo do Rei Dom João II”, servindo voluntária ou involuntariamente como disfarce do silenciamento da sua memória histórica e como disfarce da destruição quinhentista e seiscentista da sua
documentação.
A Historiografia Ultramarina e as Comemorações dos "Descobrimentos" atingiram o seu auge no tempo do regime do Doutor Salazar, com a Exposição do Mundo Português de 1940, as Comemorações Henriquinas de 1960, etc. (e, note-se, a título de exemplo, com a ausência de significativas comemorações do
nascimento de Dom João II em 1955…).
Assim se revelou a verdadeira natureza desse regime, do seu projecto colonialista antiquado e votado ao fracasso, da sua
Historiografia oficial e bizantina. E revelou-se também a dramática necessidade de toda essa construção ideológica — e do anacronismo que tudo isso significou —
para o atribulado Presente português dos meados do século XX, nas vésperas da década de 60 e das guerras na Guiné, Angola e Moçambique. O que aconteceu foi que os "Descobrimentos" asseguraram a legitimação historiográfica do regime salazarista, tal como já haviam antes, desde há muito, assegurado a ideia de
Identidade Nacional Portuguesa que havia sido cultivada pelo regime monárquico e colonial dos séculos anteriores.
O "Futuro de uma Maldição", na História e na Historiografia de Portugal, foi assegurado por essa continuidade da manipulação historiográfica operada pelo oportunismo político dos Poderes sucessivos, da Dinastia Manuelina e da Dinastia da Casa de Bragança até à breve I República e ao regime do Doutor Salazar, e até ao presente das "Comemorações dos Descobrimentos". Agora, festas e celebrações oficiais promovidas ininterruptamente entre 1987 e 2002, com rios de dinheiro público, num país infelizmente à beira da desgraça económica, social, e política.
“Comemorações Históricas” para esconder a História, e para impedir a compreensão do Presente. Celebrações grandiosas — bizantinas ou boçais, mas sempre luxuosas — num país que, infelizmente, continua a ser um país de mendigos. Comemorações para festejar — em vez de compreender…— a secular Expansão Colonial Ultramarina (ainda e sempre chamada, confusionística e
abusivamente, “os Descobrimentos”…). A Expansão Colonial Ultramarina que foi responsável pela irreversível decadência e sub-desenvolvimento da metrópole portuguesa.
Comemorações históricas — “torpes comparações” — para nos impedir de compreender que, na História de Portugal, infelizmente, se tratou sempre de “trocar boa capa por mau capelo”, “perder-se Portugal”, e “não se ganhar África”.
O morto de Alfarrobeira tinha razão: Portugal não era para suportar isto. E não suportou. O morto de Alfarrobeira e a sua razão venceram, porque a razão vence sempre, no fim. Mas o nosso país — Portugal — ainda hoje continua por construir, entre a Serra e o Mar.
Em 1994-1995 escrevemos e publicámos o nosso livro A Maldição da Memória… pura e simplesmente porque teve que ser. Considerámos que em Portugal andava-se há demasiado tempo a tapar o sol com uma peneira (e alguns queriam continuar), e afirmámos que sempre e em cada geração, para mostrar que os Reis e os Mitos vão nus, bastará simplesmente uma criança… E logo escrevemos (…) A Verdade tem muita força. Ela é a coisa mais forte do mundo… (e acaba sempre por ganhar, no fim…). Ninguém conseguirá nunca, neste mundo, tapar o sol com uma peneira, e impor que um boi não é um boi, e uma espada não é uma espada, e os ridículos Reis nus não vão despidos. Em Portugal, andamos
nisto há mais de quinhentos anos (desde 1449…?), e o resultado — que é tudo menos brilhante (pois deve aferir-se pela pobre realidade do presente, e não pelas vanglórias de passadismos míticos) — é cada vez mais claro. É, infelizmente, cristalino. No fim do século XX. Se nós Portugueses quisermos enganar-nos a nós próprios… é só isso que vamos conseguir: enganar-nos a nós próprios… (…).
Também em 1999, no livro Para o Silêncio da História… escrevemos (…) A Verdade é como o fogo. Não se pode negar a sua existência, nem se pode passar sem ele. É melhor usá-lo ao nosso serviço, sensatamente. Se for ignorado, menosprezado ou escondido (mesmo nos seus inícios), vai criar um incêndio que
depois ninguém — ninguém mesmo! — poderá impedir. A Verdade é como o fogo.
Quem ainda não compreendeu isso, não compreendeu nada. E eu quero a Verdade ao serviço do meu país e da sua História. Só com base na Verdade se pode construir um Futuro verdadeiramente sólido, e útil, e digno. Tudo o mais é contraproducente, e vai sempre continuar a deixar-nos na miséria em que, infelizmente, o nosso país já vive desde há muito. E vai cavar-nos misérias ainda piores, num Futuro que, assim, no meio da mentira generalizada (a mentira que se mantém, e se reproduz incessantemente, quer em relação à História, quer em relação ao Presente), vai acabar por ser ainda mais negro (mas nem por isso sem esperança…). Quem ainda não compreendeu isso é porque ainda não compreendeu nada. (…).
Consideramos, de facto, que em Portugal e na Historiografia Portuguesa reina a mentira generalizada — uma mentira sempre imposta e oficiada através de inaceitáveis pressões e manipulações orquestradas por interesses políticos, ao serviço da continuidade das conveniências epocais dos Poderes do presente.
Julgamos que, tal como no-la ensinaram no passado — e hoje no-la querem infantilmente obrigar a continuar a recitar —, a História de Portugal e dos “Descobrimentos Portugueses" é, na verdade, uma falsidade deliberada e consciente. Uma enorme mentira organizada.
O autor destas linhas decidiu não colaborar com essa mentira, e não deixar o seu nome a isso ligado. Em poucas páginas, nas suas linhas essenciais — de forma sintética, sonora e inequívoca —, deixamos explicitadas aquelas que, em nossa opinião, são as
grandes verdades sobre os "Descobrimentos Portugueses", tal como as vimos afirmando ao longo dos últimos anos, desde 1994-1995 (e deixando agora de lado os inúmeros pormenores, dados concretos, e contributos parcelares, que também trouxemos com radicalidade e inovação). E tudo nestas nossas páginas essenciais é absolutamente diferente, e radicalmente contraditório, em relação à Historiografia e às Comemorações que em Portugal têm sido desde sempre orquestradas e oficiadas.
A verdade é que os Descobrimentos Portugueses não foram ordenados pela Casa de Viseu e a Ordem de Cristo (desde o mitificado Infante Dom Henrique até ao seu "neto" Rei Dom Manuel). Pelo contrário, foram devidos à Casa de Coimbra e à Ordem de Santiago da Espada (desde o Regente Dom Pedro até ao seu neto Rei Dom João II).
A verdade é que a grande figura dos Descobrimentos não foi o cinzento e casto Infante Dom Henrique (simples figura secundaríssima, hesitante e insignificante, que passou de irmão mais novo a tio mais velho, e sempre viveu, no seu próprio tempo, em grandes humilhações e vergonhas). A figura decisiva foi o
"Príncipe Perfeito" Rei Dom João II, herdeiro político e continuador do ex-Regente assassinado em Alfarrobeira. No que diz respeito à componente teórica, científica e de conceptualização geográfica e cartográfica, os Descobrimentos não foram devidos a quaisquer contributos da infantilmente ridícula "Escola de Sagres" (simples mentira, pois nunca existiu…) e do seu alegado mentor Infante Dom Henrique — sobre a cultura do qual não se sabe absolutamente nada (tudo aponta para que não a tivesse…). Eles foram devidos, sem qualquer margem de dúvida, aos contributos do culto Infante Dom Pedro (sobre o qual se sabe imenso, desde o livro de Marco Polo até ao mapa de Fra Mauro, etc.). Até o físico-mor e cosmógrafo principal dos
Descobrimentos, no tempo de Dom João II (o Mestre Rodrigo de Lucena), era o mesmo homem que havia sido antes o físico do Infante Dom Pedro (e estivera na batalha de Alfarrobeira). Até a família dos escudeiros chamados Reinel, que depois viriam a constituir a mais antiga "escola" da Cartografia dos Descobrimentos
Portugueses, era de servidores do Infante Dom Pedro (e não do Infante Dom Henrique…). Até o (tão "célebre", mas tão esquecido…) mercador privado Fernão Gomes, que no seu tempo, em 1469-1474, fez bem mais e melhores e mais difíceis "Descobrimentos" do que os que antes tinha feito o mítico Infante Dom Henrique, era o mesmo homem que já antes disso tinha estado com o Infante Dom Pedro em Alfarrobeira e por isso tivera depois que se exilar na Catalunha. Quantos exemplos
mais podemos dar!
No que diz respeito à componente prática e empírica (logística e humana), os navios e os homens que efectivamente fizeram as navegações e descobrimentos geográficos (e que eram sobretudo privados, mercadores e pescadores, sujeitos à
Coroa, sucessivamente por ordem do Regente Dom Pedro e de Dom João II) não tiveram a sua proveniência regional no Algarve ou na Ordem de Cristo (nem estiveram maioritariamente ao serviço do Infante Dom Henrique de Viseu…). Bem pelo contrário, eles foram, esmagadoramente, provenientes das regiões do Norte e do Centro Litoral de Portugal (do Ducado de Coimbra, e das povoações burguesas do Norte), bem como da Ordem de Santiago (do Alentejo Litoral).
A ideia de que as Navegações Portuguesas dos fins da Idade Média e os Descobrimentos Geográficos tenham tido origem na Ordem de Cristo e na Casa de Viseu (correspondentes hoje à Beira Alta, Beira Baixa, Ribatejo Interior, etc.…) é simplesmente uma mentira inverosímil (mas que, no entanto, em Portugal, por razões políticas, foi secularmente cultivada com êxito, no meio de tanta História e Comemorações… tanta ignorância ou colaboracionismo de historiadores universitários contratados). Compreende-se o embaraço agora dos ignorantes e colaboracionistas.
A perspectiva que o autor destas linhas trouxe à Historiografia Portuguesa é, em sua opinião, a coisa mais evidente do mundo… (mas ainda ninguém a havia afirmado e defendido…): é claro que as navegações nunca poderiam ter sido feitas a partir do interior do país! É claro que foram feitas a partir do litoral!
Foram feitas a partir da Beira Litoral (Ducado de Coimbra), do Alentejo Litoral (Ordem de Santiago), e do Noroeste (regiões urbanas da burguesia comercialmarítima)… Como deveria ter sido sempre óbvio… (para disfarçar e esconder essa obviosidade é que se inventaram mitos como os de Sagres e do Algarve…). O
problema é que em Portugal mentiras inverosímeis são mantidas durante séculos… Tornam-se verdades.. A verdade é que, como alguns historiadores (minoritários e perseguidos) já
haviam mostrado antigamente (e julgamos que só não vê quem não for capaz de olhar para um mapa ou uma cronologia), na primeira metade do século XV os Descobrimentos Geográficos Portugueses avançaram exactamente quando o Regente Infante Dom Pedro esteve no Poder, e logo depois pararam,
imediatamente (e assim ficaram por muito tempo), quando ele foi assassinado e comido pelos cães (e o seu irmão mais novo, o cinzento e insignificante Infante Dom Henrique, ficou sozinho à frente do processo).
Foi tal a infâmia e a vergonha a que se chegou em Portugal, no processo da maldição da memória do ex-Regente progressista assassinado (na manipulação política e historiográfica que se seguiu à batalha de Alfarrobeira, para tentar silenciar para o Futuro a importância da sua acção), que se chegou ao ponto de, na crónica de Gomes Eanes de Zurara em louvor do seu cinzento irmão Dom Henrique (em que se silenciou o antigo Regente e se atribuíram os méritos dos "Descobrimentos" ao irmão mais novo que havia estado entre os que o mataram), se ter plagiado e utilizado capítulos inteiros do Livro da Virtuosa Benfeitoria que o morto de Alfarrobeira havia escrito. Ao mesmo tempo que o
silenciaram, roubaram-no até do que tinha pensado, sentido, e escrito (porque, ele sim, tinha sido culto, e tinha escrito…). A verdade é que isto foi, e será sempre, um revelador sinal do tempo e do espírito que então se viveu. Uma infâmia exemplar.
O cronista do Infante Dom Henrique é o plagiador do Infante Dom Pedro. E estas coisas foram sempre discreta e convenientemente omitidas na versão oficial dos Descobrimentos em Portugal (e continuaram a sê-lo… e continuaram a ser escamoteadas e disfarçadas, mesmo depois de em 1949 o Prof. Joaquim de Carvalho as ter revelado e documentado). Miséria, e infâmia. Exemplar.
Os Descobrimentos Geográficos só vieram depois a recomeçar, e a avançar vertiginosamente, no tempo do "Príncipe Perfeito" Dom João II, porque ele foi o herdeiro, o vingador, e o continuador, do seu avô Infante Dom Pedro de Coimbra — e a prova disso está no facto de que os homens e os meios que usou nessa retomada e continuação das estratégias do avô assassinado foram os mesmos que já antes tinham estado ao seu serviço: os pertencentes à Casa de Coimbra e à Ordem de Santiago. Ninguém o havia compreendido e afirmado, mas agora o autor destas linhas (em 1994-1995, no seu livro Maldição da Memória…)
identificou-lhes as proveniências regionais. Isto foi afirmado, demonstrado e explicado. E a verdade é que ninguém pode negar (nem ninguém negou) que isto é indesmentível.
Os grandes navegadores dos Descobrimentos Geográficos Portugueses — os que foram sempre mais longe para o desconhecido (até onde os mandava ir um "Désir"… uma vontade política "que os atava ao leme"…) — não foram
originários de Sagres, nem da Ordem de Cristo, nem de nada de semelhante.
Foram originários da Beira Litoral (Gomes Pires, Álvaro Fernandes, Fernão Gomes, de Montemor-o-Velho… Diogo de Azambuja e Diogo Cao de Montemor-o-Velho… João Afonso de Aveiro…) e foram originários da Ordem de Santiago (Bartolomeu Dias, Paulo e Vasco da Gama de Sines… etc.).
Os "Descobrimentos Portugueses", depois de durante tantos anos terem sido deixados parar no tempo do Infante Dom Henrique (o a posteriori crismado "Navegador" no século XIX…), foram reiniciados e relançados na segunda metade do século XV e no tempo de Dom João II exactamente por João Vogado, Fernão Gomes, Diogo de Azambuja (e com ele Diogo Cao), Fernão Teles de Menezes,
exactamente os mesmos homens que antes tinham estado na batalha de Alfarrobeira com o Infante Dom Pedro (e por isso tinham depois sido perseguidos e tinham tido que se exilar). Foram esses homens (os homens de Alfarrobeira) os que, quando voltaram a Portugal, recomeçaram os "Descobrimentos". A maneira como esta realidade — hoje insofismável (desde que a demonstrámos, em 1994-1995) — havia sido em Portugal incompreendida, escamoteada, silenciada, é algo de espantosíssimo, escandalosíssimo, embaraçosíssimo. Tudo vem confirmar a teoria que em 1994-1995 (em A Maldição da Memória…) o autor destas linhas avançou tão radicalmente. Tudo… Até o que tem sido descoberto de novo desde então, e corrobora integralmente as nossas hipóteses… e até o que já era na época publicado, mas (pasme-se…!) não havia sido especialmente notado e integrado numa visão respeitante à História dos Descobrimentos…!
No século XV português, nas vésperas da sua utilização nos
"Descobrimentos" (e nos primeiros anos dessa utilização), onde se encontram referidos na documentação os navios chamados "caravelas" não é em Sagres nem em Viseu nem em Tomar nem em nenhum outro lugar semelhante…! É no Norte e no Centro de Portugal: em Buarcos, em Paredes, e em Montemoro-Velho.
No século XV (em 1449…), onde a documentação mostra existir em Portugal um estaleiro de construção dos navios chamados "caravelas" não é em Sagres do Infante Dom Henrique (o suposto "Navegador" da famigerada "Escola"…). É em Verride, junto ao castelo de Montemor-o-Velho do Infante Dom Pedro, do outro lado do rio Mondego.
A Beira Litoral foi decisiva na História dos Descobrimentos. E ninguém o tinha percebido e afirmado.
Em 1994-1995 o autor destas linhas afirmou-o publicamente, de forma radical, sonora e inequívoca (saiu a quatro colunas,
ocupando a primeira página inteira do jornal Diário de Coimbra de 16.07.1995, logo no dia a seguir ao lançamento do livro A Maldição da Memória do Infante Dom Pedro…).
Embora ninguém o houvesse compreendido e explicado, o Rei Dom João II foi também, no seu tempo, "Duque" de Coimbra: Senhor das terras e dos homens da Casa de Coimbra. O "Désir" do Infante Dom Pedro e o seu Ducado de Coimbra — a Casa de Coimbra e a Beira Litoral — foram decisivos na História de Portugal (e sobretudo na História das Navegações).
O "Plano da Índia" que os Portugueses vieram a conceber (mas só no tempo de Dom João II…) nasceu directamente a partir do mapa veneziano do Infante Dom Pedro… e esse célebre mapa (que se dizia perdido…) é nem mais nem menos do que o célebre mapamundo de Fra Mauro (cuja cópia se guarda em Veneza)… e foi com base nesse mapa que Dom João II, neto e herdeiro de Dom Pedro, concebeu e executou o plano do Oriente…
Esta simples tese (avançada e teorizada pelo autor destas linhas em 1994-1995), em tudo o que tem de óbvio, evidente, e incontestável (e incontestado), pelas suas inúmeras implicações, foi suficiente para destruir, radicalmente, para sempre, a construção de tudo o que até então era considerado como sendo a "História dos Descobrimentos Portugueses".
Esta simples tese de 1994-1995, sobre o mapa de Fra Mauro, só por si, mudou tudo, para sempre, na História dos Descobrimentos — e a evidência dessa mudança nunca mais vai poder ser totalmente escondida, silenciada, ou escamoteada.
A verdade, quando explicada e compreendida, vale por si mesma. E, quando demonstrada, nunca mais vai poder ser escamoteada.
Os tão afamados Descobrimentos Geográficos Portugueses, em tudo o que tiveram de decisivo, foram devidos ao Rei Dom João II, e não vai nunca poder ser outra coisa senão uma manipulação ridícula, patética, e votada ao fracasso, a tentativa de atribuir essa glória ao cinzento e casto Infante Dom Henrique — e vão ser sempre ridículas e patéticas as tentativas que para futuro
continuarem a ser feitas para o enroupar nas vestes de um sábio da infantil "Escola de Sagres" ou um "Navegador" (que não foi…), ou as tentativas de o mostrar como um precursor de Dom João II (com quem não teve nenhuma ligação especial e semelhante à de Dom Pedro…) ou as tentativas de o relacionar com o próprio mapa de Fra Mauro (com o qual é perfeitamente óbvio que nunca teve
absolutamente nada a ver… pois a encomenda desse mapa foi feita pelo Regente Dom Pedro… e o seu uso foi feito por Dom João II…).
Todas as tentativas de aproveitamento mitigado, e parcelar, e plagiário, de elementos concretos das nossas teses — como as que possam ser feitas em relação ao mapa de Fra Mauro, e a outros elementos inegáveis e indesmentíveis que o autor destas linhas trouxe (feitas ao mesmo tempo que se recusa e silencia a visão
global em que elas se integram, e se censura e silencia, e se ajuda a censurar e silenciar, o autor original dessas teses) — não vão nunca poder ser outra coisa senão formas de censura e de plágio, e de colaboração e conivência com a censura e o plágio (e é bom que percebam isso, bem claramente, quaisquer autores que se queiram perfilar, ou se queiram deixar perfilar, para beneficiários desses
aproveitamentos mitigados, e parcelares, e plagiários, de elementos concretos das nossas teses, nomeadamente no que diz respeito ao mapa de Fra Mauro).
Como em 1994 o autor destas linhas afirmou (e a Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos logo então censurou, e a partir daí continuou sempre a silenciar), os mitos e os exageros e as lendas acerca do Infante Dom Henrique foram sobretudo trombeteados (e assim lançados para sempre para a
posteridade, para um imparável futuro) na primeira metade do século XVI, no tempo do Rei D.Manuel e do seu pio sucessor Dom João III, pois com essa manipulação historiográfica a nova Dinastia Manuelina tentou legitimar-se a si própria (e ao seu Poder e prosperidade) porque o Rei Dom Manuel era
"neto", por via adoptiva, do Infante Dom Henrique.
O novo Poder manipulou, falseou, e tentou empalmar as glórias dos
"Descobrimentos", de cuja prosperidade beneficiou (e que dissipou, no prazo de uma geração), e tentou apresentar tais "Descobrimentos" como se fossem devidos sobretudo ao longínquo Infante Dom Henrique, "avô" de Dom Manuel e “bisavô” de Dom João III… Porquê? Para roubar tais glórias ao Rei anterior, o “Príncipe Perfeito” Dom João II, que havia morrido nas condições em que morrera, envenenado em 1495 no âmbito de um "golpe de estado palaciano" (envenenamento que os cronistas da época claramente relataram, e que tantos "historiadores" dos séculos seguintes, por má-fé ou ignorância, até aos nossos dias, se têm afadigado a tentar disfarçar, esconder, silenciar, e escamotear).
Em Portugal, em 1495, com a morte de Dom João II e o regresso ao Poder da grande nobreza senhorial e feudalizante — a Casa de Viseu e a Casa de Bragança — houve realmente um "golpe de estado palaciano", e uma inversão do sentido da política e da governação. O que depois aconteceu (em 1497-1499, e em 1500-
1502) não foi a realização do "Plano da Índia" do "Príncipe Perfeito" Dom João II… e sim — pelo contrário — a sua traição e o seu esbulho.
No exacto momento da culminação dos "Descobrimentos Portugueses", nos primeiros anos do século XVI, no auge da glória nacional… da riqueza da pimenta… dos achados da Índia e do Brasil… da ventura do Poder Manuelino… os Portugueses foram traídos pelo seu próprio comando… — e é isso que
explica episódios tão importantes (e desde sempre em Portugal ditos “inexplicáveis”…) como o da entrada em cena, em 1501-1503, em Portugal e nos "Descobrimentos Portugueses", de um personagem como Américo Vespúcio… episódios esses que na historiografia portuguesa e brasileira desde sempre se fez o
possível e o impossível por recusar, escamotear, silenciar, ou considerar como duvidosos e incompreensíveis.
Como mostrámos em 1995 em A Maldição da Memória… e em 1997 em Vida e Obra do 'Príncipe Perfeito' Dom João II…, as primeiras viagens para a Índia (a de 1497, dita de Vasco da Gama, e a de 1500, de Pedrálvares Cabral) significaram essa traição e esse esbulho do “Plano da Índia” do “Príncipe
Perfeito”.
Tudo ou quase tudo o que desde sempre se tem repetido sobre a "viagem de Vasco da Gama", e que constitui a sua versão oficial… — versão que até as criancinhas sabem de cor, e que o Estado, as Escolas, as Comissões, se afadigam a repetir e a oficiar (e que voltou a ser repetida, nos mesmos termos de sempre, no
fim do século XX, para as Comemorações oficiais de 1997, a Expo 98, etc.) — é, pura e simplesmente, uma mentira.
Vasco da Gama nem sequer foi (nem podia ter sido…), como é óbvio, o principal comandante dessa expedição de 1497. E essa expedição (aquela que "descobriu o caminho marítimo para a Índia") nem sequer foi certamente mandada pelo Rei Dom Manuel, pois os comandantes Gamas e todos os restantes participantes dessa expedição nem sequer pertenciam ao Rei Duque de Viseu, e
sim ao Duque de Coimbra e Mestre da Ordem de Santiago, Dom Jorge (de Lancastre), o filho do Rei Dom João II e bisneto do antigo Regente Dom Pedro de Coimbra…
Toda a documentação coeva sobre essa célebre viagem que culminou no "descobrimento do caminho marítimo para a Índia" foi feita desaparecer, e não existe hoje em dia. Não existe um só documento original (nem sequer existem os últimos anos, inteiros, da chancelaria do Rei Dom João II… que também desapareceram…!). E o relato anónimo, dito "de Álvaro Velho", que acerca dessa viagem corre, e ainda hoje continua a ser reimpresso, é uma cópia quinhentista… tardia, manipulada, truncada ao sabor dos cronistas dos meados do século XVI (da Dinastia Manuelina no Poder). A verdade é que, embora até 1999 todos os historiadores dos Descobrimentos Portugueses tenham aceite esse relato
anónimo como bom (e alguns até se esmeraram em lhe identificar um putativo autor, o tal suposto Álvaro Velho, de que não há a mínima prova), é evidente que esse relato anónimo constitui uma versão truncada (e portanto certamente expurgada, e adaptada) de um relato maior, anterior, que desapareceu (ou foi
feito desaparecer), e é evidente (afirmou-o o autor destas linhas, em 1999, em Para o Silêncio da História…) que esse relato original, maior e anterior, é o relato de um tal clérigo João Figueira, da Ordem de Santiago da Espada, clérigo que se sabe, por outra fonte (o cronista Gaspar Correia), que terá ido em
1497 a bordo dos navios de Paulo e Vasco da Gama, para escrever a história da viagem… (texto esse que supostamente se terá depois perdido… e como tal foi sendo considerado pelos historiadores…). E esse João Figueira — como não pôde ser escondido nas publicações oficiais das Comemorações de 1997-1998 (teve
mesmo que ser reconhecido no pomposo livro Vasco da Gama: O Homem, a Viagem, a Época… editado pela Expo 98…) — é nem mais nem menos do que um capelão do Duque de Coimbra e Mestre da Ordem de Santiago, o Senhor Dom Jorge… (filho de Dom João II e bisneto do Infante Dom Pedro…). Quer isto dizer que, em nossa opinião, pura e simplesmente o celebérrimo "relato dito de Álvaro Velho sobre a viagem de Vasco da Gama" é uma cópia posterior, quinhentista, truncada e adaptada ao sabor dos cronistas da Dinastia Manuelina (concretamente Fernão Lopes de Castanheda, o bedel e arquivista do Convento de Santa Cruz e da Universidade de Coimbra…), de uma parte do
relato de João Figueira, da Ordem de Santiago da Espada… em que se continha a verdade sobre a viagem de 1497-1499… a viagem de Paulo da Gama que foi terminada pelo seu irmão mais novo, e sobrevivente… A verdade que foi feita desaparecer.
E quanto ao cronista que deixou para a posteridade as informações que permitiriam compreender e explicar toda esta trama? E quanto a Gaspar Correia, o antigo secretário do Afonso de Albuquerque que havia sido membro da guarda pessoal do Rei Dom João II (antes de vir a ser governador da Índia por ordem do Rei Dom Manuel, e por isso “morrer de mal com os homens por amor do Rei, e de mal com o Rei por amor dos homens”)…? Bom… quanto a Gaspar Correia, alguns universitários, académicos e comemoradores, ainda hoje discutem e esmiuçam, eruditamente, em notas de rodapé, se é ou não o mesmo Gaspar Correia que,
através de um documento antigo que foi publicado (mas que, por acaso, entretanto, desapareceu…), se sabe que foi mandado assassinar no Oriente por um neto e herdeiro do Vice-Rei Dom Vasco da Gama… E “os autores dividem-se”, e nada se prova.
A verdade é que, já antes da viagem dos Gamas, em relação aos anos de 1480-1495 — às viagens de Diogo Cao, Bartolomeu Dias, etc. — desapareceu (ou foi feita desaparecer) quase toda a documentação dos arquivos portugueses. Como mostrámos em A Maldição da Memória… (em 1995) e Vida e Obra do 'Príncipe
Perfeito' Dom João II… (1997), aquilo que até hoje na Historiografia Portuguesa se chamou a "Política de Sigilo" do Rei Dom João II — o qual, alegadamente, teria feito desaparecer a sua própria documentação, para a manter confidencial (!) — não foi, nem nunca poderia ter sido, nada disso…! Foi, pura e simplesmente, a destruição generalizada dessa documentação do "Príncipe Perfeito", praticada a-posteriori pelos Poderes adversos que se lhe seguiram, da Casa de Viseu e da Casa de Bragança (ao longo dos séculos XVI-XVII).
Manipulação. Censura. Mentira. Devido a razões políticas.
Mentira organizada nas gerações seguintes, para reescrever a História ao sabor das conveniências dos Poderes do Presente. Ausência das fontes originais (entretanto desaparecidas) e reescrita da História, semeando todos os infindáveis mitos (alguns verdadeiramente infantis) que ficaram para sempre. Isto está escrito
(em A Maldição da Memória…, 1995), e repetido (em Vida e Obra do Príncipe Perfeito Dom João II, 1997), e constitui a nossa própria teoria explicativa, datada de 1995 e 1997, do célebre "Sigilo dos Descobrimentos Portugueses"…
E no entanto os Comemoradores oficiais dos "Descobrimentos Portugueses", nas suas publicações e discursos e congressos, andam desde há anos a discutir e a rediscutir as "teorias acerca da célebre Política de Sigilo" (e a invocar os "nomes célebres" dos prestigiados autores, como Jaime Cortesão, que no passado trataram do tema), e, no entanto, silenciam a existência desta nossa teoria explicativa… que é tão rotunda, tão sonora, e tão simples…
Mas — repetimos… — esse silenciamento não vai ter êxito… Tudo o que neste mundo é assim tão simples, e rotundo, e explica indesmentivelmente uma realidade óbvia, não pode para futuro ser completamente silenciado.
A verdade é que a versão oficial da "História dos Descobrimentos Portugueses" tem sido, desde sempre, por razões políticas, uma fraude. Uma manipulação política e uma mistificação contínua, praticada de forma descaradíssima e incompetente (às vezes, verdadeiramente infantil): sem provas
coevas, sem documentação original, sem fundamentação minimamente aceitável — e, bem pelo contrário, com base em meia dúzia de "documentos" que são escandalosissimamente inaceitáveis e suspeitos, e, sobretudo, com base em crónicas posteriores (crónicas já dos meados do século XVI, da época
em que estava no Poder a Dinastia Manuelina), enfim, com base em elementos que são escandalosamente tardios e não-coevos, manipulados, crivados, parciais, falsificados.
A verdade é que o (depois) célebre Vasco da Gama, quando fez a "sua" célebre viagem (em 1497-1499), pertencia à Ordem de Santiago da Espada (do Duque de Coimbra Dom Jorge) e não à Ordem de Cristo — para a qual só a posteriori se foi lentamente deixando aliciar (depois de voltar da Índia em 1499), e para a qual só veio a “trespassar-se” (sic) definitivamente em 1507… oito anos
depois do fim da célebre viagem… e após escandalosíssimas peripécias em que andou toda a gente à espadeirada em Sines — peripécias essas que tantos modernos historiadores têm ignorado e não compreendido, ou se têm esforçado por ignorar e não compreender… (e, no entanto, as suas razões são tão óbvias… e em 1994-1995 o autor destas linhas explicou-as tão claramente…).
As incongruências e as impossibilidades da versão oficial dos
Descobrimentos e da "viagem de Vasco da Gama" — alguns dos chamados "mistérios de Vasco da Gama" (sic)… — já vinham desde há muito a ser notadas por historiadores como Armando Cortesão (cujo livro nós não conhecíamos nem utilizámos, e por isso não citámos em A Maldição da Memória…) e Francisco
Leite de Faria (cuja publicação conhecíamos, e largamente utilizámos e citamos em A Maldição…), e toda essa enigmática teia de silêncios e lacunas das fontes quinhentistas (e impossibilidades, e mentiras, e incongruências) estava madura para ser notada, e para começar a ser denunciada, nos primeiros anos da década de
setenta do nosso século, nas vésperas do ano de 1974. E a verdade é que tais incongruências e impossibilidades (e respectivas causas), quando o autor destas linhas veio depois a notá-las, foram estudadas, explicadas, e apontadas,
de forma completa, radical e sistemática, no livro A Maldição da Memória… (em 1995) e no livro Vida e Obra do 'Príncipe Perfeito’ Dom João II… (1997).
E a partir daí, quando nos milieus comemorativos e académicos passou a reinar um pânico surdo — devido à extensão, à radicalidade e à sistematicidade com que por nós foi denunciada a mentira —, ficou-se sem saber o que se havia de fazer (e, por isso, anos passados, continuou-se sem dizer nada) e foi-se fazendo de conta que esses livros não existem, nem existem as explicações globais que lá são avançadas tão sonoramente (e, ao mesmo tempo que se foi silenciando a tese radical e global, houve quem fosse plagiando quanto ao que era mais lateral e acessório, e fosse
glosando, sem citar, a nossa tese da importância esquecida da Ordem de Santiago, etc.).
Tudo nas Comemorações do fim do século XX foi tão burlesco que se chegou ao ponto de as fazer, no que a Vasco da Gama diz respeito, sob o signo de uma sua imagem tradicional num quadro a óleo do Museu Nacional de Arte Antiga — aquela imagem em que está com um boné de seda e umas lunetas (…!) e uns papéis na mão (qual intelectual oitocentista…) e, claro, com a sua habitual cruz da Ordem de Cristo (uma cruz enorme no peito) —, e pelos Comemoradores oficiais foi generalizadamente aceite e divulgada a ideia de que esse quadro é uma pintura coeva do século XVI ("da escola de Gregório Lopes"…[sic], como se diz no tal pomposo livro Vasco da Gama: O Homem, a Viagem, a Época… editado pela
Expo 98)… Ora, esse quadro é, pura e simplesmente, uma pintura do século XIX — e típica… (como típicas são as letrinhas escritas lá nos papéis que a figura tem na mão…) —, pintura mandada fazer já na febre comemorativista do século passado!
Em Portugal é assim: é tal o peso da ignorância, da promiscuidade política com a “Ciência” e a “História”, do oportunismo oficial e oficializante, que um simples pastiche comemorativo, desde que sobre ele passem cem anos, torna-se um "original" (uma "fonte histórica"… portanto).
No que às Comemorações diz respeito, essa imagem pode bem ficar como símbolo da anedota do século. Um Vasco da Gama, num quadro a óleo, supostamente do século XVI, de lunetas na mão… Com cara de intelectual oitocentista… (ele, de facto, é oitocentista…). Essa imagem foi massificada em grandes faixas plásticas nas frontarias dos palácios e das exposições luxuosas de
Lisboa, e na lombada desse e outros livros, e em catálogos de exposições. Tudo para maior glória de Vasco da Gama e das Comemorações. Anedota do século, em Portugal. E foi preciso vir um investigador local de Sines e da Figueira da Foz, Exº. Senhor Dr. Arnaldo Soledade, para mostrar publicamente as evidências
que permitem perceber que esse suposto quadro do século XVI ("da escola de Gregório Lopes"…) é uma pintura mandada arranjar no século XIX a um pintor cenografista italiano dos teatros de Lisboa…! É digno de opereta…
As Comemorações oficiais dos “Descobrimentos”, e a Historiografia oficial portuguesa, nos fins do século XX, estiveram ao nível da opereta lisboeta.
O autor destas linhas tinha escrito em 1995 em A Maldição da Memória…[p. 333]: (…) As imagens tradicionais — que são continuamente mostradas… — de Vasco da Gama (…) ostentando no peito uma enorme cruz da Ordem de Cristo (uma cruz muito grande… maior do que todas as outras que habitualmente se
vêem nestes casos…) dão-nos, verdadeiramente, uma lição de História: ensinamnos que, quando uma coisa é demasiado evidente… devemos desconfiar… (…) é mentira. (…).
A verdade é que, em relação às Comemorações e à versão oficial da história de Vasco da Gama, tal como em 1998 foi uma vez mais massificada, oficiou-se uma mentira: a de sempre… a Ordem de Cristo, etc., etc. Tudo mentira!
Esse homem, em 1497, quando fez a sua primeira viagem à Índia
(acompanhando o seu irmão mais velho, e comandante, Paulo da Gama…), nem sequer pertencia (nem podia pertencer) à Ordem de Cristo. Pertencia à Ordem de Santiago da Espada, do Senhor Dom Jorge, Duque de Coimbra, filho de Dom João II e bisneto do Infante Dom Pedro.
A verdade é que as Comemorações dos Descobrimentos celebradas nos últimos anos do século XX foram ainda piores (cientificamente), e ainda mais manipuladas (politicamente), do que as do passado… Foram uma total mentira.
A História dos Descobrimentos Portugueses, tal como veio a ser feita no século XVI pelo Poder da Casa de Viseu, nos séculos XVII-XVIII-XIX-XX pelo Poder da Casa de Bragança, e no século XX pelo Poder da Época Salazarista, teve um só objectivo e um só resultado: silenciar a memória do Infante Dom Pedro de Coimbra e a sua continuidade no seu neto Dom João II. Em relação ao Infante Dom Pedro, isso foi quase integralmente conseguido, e o seu nome foi feito desaparecer de maneira quase completa (como não seria… se, já no seu tempo, no século XV, ele havia sido assassinado pela Casa de Bragança…?). Em relação ao Rei Dom João II (por razões óbvias, que decorrem da grandeza da sua figura e da sua obra… indiscutível, irrecusável, e incontornável), isso não foi conseguido em tão grande medida, mas foi amplamente tentado (sobretudo no século XVI pelo Poder da Casa de Viseu, e nos séculos XVII, XVIII, XIX e XX pelo Poder da Casa de Bragança).
Em Portugal as crónicas de Rui de Pina ficaram durante séculos na gaveta, e o seu nome foi perseguido para sempre com difamações e calúnias (sempre sem bases, mas sempre reafirmadas), pura e simplesmente porque o seu "crime" havia sido o de transmitir algumas verdades, e não ter deixado cair o "escuro
esquecimento", para sempre, sobre as memórias do Infante Dom Pedro e do Príncipe Perfeito Dom João II… A verdade é que, depois dele, a historiografia portuguesa oficial, nos séculos seguintes (e até à actualidade), não fez outra coisa senão silenciar e manipular, e reescrever a História de Portugal e a História dos
Descobrimentos Portugueses num sentido que fosse favorável aos Poderes do Presente, falsificando totalmente as realidades originais… A verdade é que essa historiografia oficial da Monarquia Lusitana — por exemplo no século XVII com a famigerada "Monarquia Lusitana"… — é uma fraude, uma falsificação e uma
mentira organizada — devido a razões políticas (e quem se atreve a negá-lo…?).
O autor destas linhas é o historiador que, nos fins do século XX, em 1994-1995, trouxe à Historiografia Portuguesa a afirmação radical, sonora, inequívoca, e indesmentível, da importância primacial, na História de Portugal e dos "Descobrimentos Portugueses", da Casa de Coimbra e (depois) da sua herdeira Casa de Aveiro (significando a Beira Litoral) e da Ordem de Santiago da Espada (significando a península de Setúbal e o Alentejo Litoral). O que
dissemos é que na História de Portugal não pode continuar a ser ignorada uma sua dimensão essencial: o ódio dos Poderes sucessivos lisboetas (os Poderes da Casa de Viseu-Beja no século XVI, e da Casa de Bragança nos séculos XVII-XIX…) para com a herança amaldiçoada do Infante Dom Pedro de Alfarrobeira, a
herança corporizada na Casa de Coimbra e na sua sucessora Casa de Aveiro… E é esse "Futuro de uma Maldição" que depois vem a explicar episódios já tão longínquos como aquele em que um Rei Duque de Bragança vem a mandar executar um Duque de Aveiro, em 1759, no chamado "processo dos Távoras"… E esta nossa linha explicativa foi tão fecunda e tão indesmentível que desde logo foi
começando a ser usada (mas sub-repticiamente, e só no que diz respeito às questões dos séculos XVII-XVIII, e omitindo os antecedentes que também tínhamos trazido). Foi começando a ser usada, mas sem ser citado o autor original da teoria. E, na verdade, foi havendo quem, universitariamente, apresentou ou aprovou essa nossa tese basilar da inimizade entre os da Casa de Aveiro e os da
Casa de Bragança. Mas quem o fez, ao apresentar, e ao aprovar, esqueceu-se de citar.
A verdade é que tantos séculos de manipulação historiográfica e de
mitificação do Passado (e concomitantes "Comemorações") levaram em Portugal, na Época Contemporânea, a uma situação insustentável, com sintomas reveladores e episódios incríveis. Como mostrámos em A Maldição da Memória… e em Vida e
Obra do 'Príncipe Perfeito' Dom João II… em Portugal, durante quatro séculos, não se construiu nem sequer um túmulo para nele ser sepultado o “Príncipe Perfeito” Rei Dom João II (que, apesar de ser o maior Rei da História de Portugal, ficou num esquife de madeira, em bolandas, em altares laterais, até ao século XX), e nunca se chegou sequer a terminar o Mosteiro da Batalha (o
antigo símbolo nacional… que, no auge das riquezas da pimenta, e da prosperidade da Dinastia Manuelina, foi deixado em parte sem tecto, para se construir um novo mosteiro, lisboeta, no Restelo). E o Mosteiro da Batalha ficou assim até ao século XX (enquanto se andaram a fazer obras faraónicas, de "modernidade", em Mafra,
em Lisboa, etc.), e depois, por fim (já no século XX), fizeram-lhe uma estrada em frente, e continuaram a deixar-lhe entrar as infiltrações de água, sem tecto, por trás.
Como escrevemos em 1995, (…) em Portugal, chove sobre o túmulo do Rei autor do "Leal Conselheiro" (…)… que teve no Infante Dom Pedro o seu (…) acima de todos muito prezado e amado irmão (…).
Como também mostrámos em Julho de 1995 (em A Maldição da Memória…), em Portugal, desde sempre, o nome do Príncipe Perfeito Dom João II — o maior Rei da História Portuguesa — não fora atribuído pelo Estado a monumentos, nem estátuas, nem grandes ruas e avenidas significativas, nem pontes, nem escolas, etc. Como poderia ter sido…? Se, no seu tempo, no século XV, ele havia sido o Rei que havia mandado prender, julgar, e executar, um Duque de Bragança…?
Como também mostrámos em 1995 (A Maldição da Memória…) e em 1997 (em Vida e Obra do 'Príncipe Perfeito' Dom João II…), em Portugal não se fizeram nunca — por entre tantas Comemorações dos Descobrimentos… — quaisquer Comemorações específicas do “Príncipe Perfeito” Dom João II com dimensões e com solenidades semelhantes às do Infante Dom Henrique. Isto brada aos céus. E, só por si, explica tudo…
Em Portugal, desde sempre — e uma vez mais no fim do século XX —, a Historiografia e as Comemorações oficiais dos "Descobrimentos Portugueses", com os seus discursos ritualizados acerca do Infante Dom Henrique, e com as suas luxuosas evocações das supostas Grandezas Manuelinas,
serviram para esconder a História: para a deturpar e para a falsificar. Para silenciar a memória do Infante Dom Pedro de Coimbra e a sua continuidade no seu neto Dom João II. A "História dos Descobrimentos Portugueses" serviu para impedir a compreensão e a explicação da História dos Descobrimentos
Portugueses, e da História de Portugal…
Mas a verdade é que — hoje e sempre… — a Verdade, quando
compreendida, explicada, e divulgada, vale por si mesma. E, quando demonstrada e publicada, não vai nunca mais poder ser totalmente escamoteada… A verdade é que a Verdade existe mesmo… Ainda que também existam algumas pobres criaturas — antigas, modernas, ou “pós-modernas” — que, ao mesmo tempo que às vezes discutem epistemologia e “Cultura” e “progressismo”… e esmiúçam matizes filosóficos de relativização da Verdade… censuram e ajudam a censurar… e evitam hostilizar quem quer que lhes pareça que tem o Poder maior… (dá
subsídios…) e tentam impedir a publicação da verdade dos outros… para que um dia o Futuro não possa escolher, e saber que verdade era a Verdade… Tentam, mas não conseguem. Não vão conseguir.
Pela parte que toca ao autor destas linhas, dada a censura em curso (1994-2002), constatou a impossibilidade de ser afirmada e defendida com êxito nos ambientes académicos uma nova visão da História de Portugal e dos Descobrimentos Portugueses — uma nova visão independente e isenta em termos políticos e ideológicos, e por isso radicalmente diferente, e radicalmente contraditória, em relação às visões oficiais que em Portugal sempre têm sido
cultivadas, massificadas, trombeteadas e impostas em situações de ausência de liberdade de investigação científica e de ausência de liberdade de pensamento e expressão pública, devido a razões políticas, ao sabor das conveniências epocais dos sucessivos Poderes do Presente (Poderes sempre apostados em manter as
rotinas dos mitos infantis e indefensáveis que vêm do Passado, por incapacidade de lhes contrapor a construção de qualquer Futuro).
Mas cumprimos a nossa obrigação — por uma qualquer estranha razão… que não tem sequer que ser definida ou explicada… (uma “vontade que nos ata ao leme”…?) — quando deixámos publicado o nosso livro A Maldição da Memória do Infante Dom Pedro e as Origens dos Descobrimentos Portugueses (1995), em que foram definitivamente demolidos mitos e mentiras como o pioneirismo do
Infante Dom Henrique, a grandeza do tempo do Rei Dom Manuel, a importância da Dinastia da Casa de Bragança, etc., e em que foi indesmentivelmente afirmada e demonstrada a importância, secularmente silenciada na História de Portugal, do projecto modernizador corporizado pelo Infante Dom Pedro e pelo seu neto
“Príncipe Perfeito” Dom João II; enfim, a importância da Casa de Coimbra e da região da Beira Litoral no processo de modernização de Portugal, processo que na verdade foi pioneiro na “Época dos Descobrimentos”, mas que depois veio a ser tragicamente destruído e substituído pelo conservadorismo feudalizante que levaria o nosso país à irreversível decadência e ao sub-desenvolvimento até ao século XX.
Alfredo Pinheiro Marques
BIBLIOGRAFIA
— Bibliografia Internacional dos Descobrimentos e Encontros Ultramarinos — International Bibliography of the Discoveries and Overseas Encounters, ed. Alfredo Pinheiro Marques, Coimbra: Universidade de Coimbra, 1992-… (com prefácio de Charles Ralph Boxer);
base de dados bibliográfica criada em Portugal em 1992 e disponibilizada para as redes internacionais de telecomunicações, na Internet, em www.uc.pt/bd.apm
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